No ano 64 d.C., no governo do imperador Nero, ocorreu um dos incêndios mais marcantes da história da Antiguidade. Dos 14 bairros de Roma, somente 4 ficaram intactos, 3 foram completamente destruídos, ao passo que os 7 restantes foram parcialmente queimados.
Os historiadores Suetônio e Cornélio Tácito, ambos nascidos ainda no primeiro século, narram, respectivamente, em seus livros A Vida dos Doze Césares e Anais, detalhes de como se processou o incêndio que, na versão de Tácito, faria dos cristãos os responsáveis por tamanha tragédia.
Outra versão, estranha aos historiadores acima mencionados, dá conta de que o fogo teria surgido acidentalmente pelos próprios moradores. No dizer de Tácito e Suetônio, Nero foi acusado de, propositadamente, ter ateado fogo na velha Roma.
O segundo deles (Suetônio), por sinal, é categórigo: "Simulando descontentamento com a feiura* dos antigos edifícios, com a estreiteza e a tortuosidade das ruas, incendiou a cidade de forma tão acintosa que...", ao passo que Tácito afirma que a calamidade fora "atribuída por uns a Nero, por outros ao acaso", bem como que "Pareceu que Nero procurava a glória de construir uma nova cidade e dar-lhe o seu nome".
Pelas duas versões, Nero pretendia reconstruir a cidade - sem falar que desejava rebatizá-la emprestando-lhe seu nome. É merecido lembrar que o referido imperador já pretendera rebatizar um dos meses do ano, que passaria a ter seu nome. Certamente invejava Júlio César e Otávio Augusto, homenageados com a nominação dos meses de julho e agosto.
Outro fator que pesa contra Nero diz respeito a outros registros dando conta de que ele de fato tinha claras pretensões arquitetônicas para as cidades, não somente para Roma, cujos edifícios deveriam ter galerias na frente, para que, do alto do terraço se pudesse combater os incêndios. E por falar em incêndios, afora a acusação sobre Roma, Nero também pretendeu incendiar a Gália, sem falar que planejou soltar feras para dizimar seus moradores.
Acusado de ser o mandante, Nero não se achava presente em Roma quando o incêndio teve início. Ele estava em Âncio, que ficava na região do Lácio (Itália). Antes do fim da calamidade - que teria durado seis ou sete dias -, Nero voltaria a Roma a fim de tomar algumas medidas governamentais.
Antes de fazê-lo, porém, foi acusado de contemplar o incêndio do alto de uma torre (Tácito afirma que ele estava em seu palácio - provalmente na torre do próprio palácio), em cujo momento teria se alegrado e cantado em honra ao feito alcançado. Quando o fogo se aproximava de seu lar, resolveu agir.
As medidas governamentais para amenizar o sofrimento dos moradores se limitaram a baixar o preço de alguns alimentos e a reconstruir as casas, desta feita nos moldes arquitetônicos pretendidos. Suetônio afirma que o imperador se aproveitou da situação para roubar os pertences dos moradores que não foram dizimados pelas chamas. Para tanto, teria ordenado que o recolhimento dos cadáveres dar-se-ia pelo Estado (a oportunidade, enfim, para entrar nos lares e saquear o que lhe convinha).
Vários templos foram destruídos, inclusive incontáveis obras de arte grega. Registraram-se suicídios e falência de alguns moradores. O povo, temeroso de que houvesse novos incêndios e tentando acalmar a fúria dos deuses, fizeram inúmeras honras religiosas.
Os préstimos de Nero no intuito de amenizar o sofrimento da população não surtiram efeito. Acusado pelo povo e vendo que os boatos não cessavam, Tácito afirma que o imperador teria posto a culpa nos cristãos, que passaram a ser vítimas de várias crueldades, uma das quais serem amarrados a postes e incendiados nos jardins do palácio de Nero durante o período noturno, promovendo, assim, o que se chamou de "espetáculos". Outra perversidade: os cristãos eram amarrados com peles de animais e em seguida eram entregues (ainda vivos) para serem dilacerados por feras.
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* O blog adota as novas regras gramaticais, daí o porquê de se escrever feiura (sem acento) e não mais feiúra.
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