A Jornada dos Mártires, de Antônio Parreiras, retrata a passagem dos inconfidentes.
Imagens extraídas da wikipedia
O plano
final dos inconfidentes mineiros eram a Proclamação da República e a
Independência, mas foram traídos por Joaquim Silvério dos Reis.
O
magistrado Alvarenga Peixoto, acostumado às negociatas graças ao cargo que
ocupava, só não delatou o plano antes de Silvério (a quem devia um dinheiro
emprestado) porque sua esposa, Bárbara Heliodora, intercedeu junto a ele com
muitas súplicas. Após o desfecho da condenação dos inconfidentes, o magistrado
imputou à sua esposa a desgraça por ter impedido a revelação.
Há quem
afirme, também, que o próprio Tiradentes, em uma de suas bebedeiras, tenha
feito alusão ao plano, esquecendo-se em seguida da confissão. Será que a senha
“É tal dia o batizado” fora revelada ainda numa mesa de bar?
José
Joaquim da Silva Xavier foi preso no dia 10 de maio de 1789. Logo depois, em 2
de julho do mesmo ano, seu amigo Cláudio Manoel Costa (em cuja casa se reuniam
os inconfidentes, inclusive Alvarenga Peixoto) foi encontrado morto na cela.
Causa oficial da morte: suicídio. Mais tarde, viria a verdade dos fatos: ele
fora assassinado, conforme afirmou o médico que o examinou. De fato: o
sargento-mor Parada e Sousa teria sido o autor do crime, e, um mês após a
morte, foram realizadas, em louvor a sua alma, mais de 30 missas na Igreja
Católica – que não realizava tal liturgia em caso de suicídio.
Tiradentes
chegou a ser interrogado 11 vezes. Negou nas três primeiras vezes, mas foi
levado a confessar sua culpa depois das degradantes técnicas inquisitoriais.
Após
três anos na prisão, viria a condenação formal. No dia 31 de outubro de 1791 o
Estado nomeou o advogado José de Oliveira Fagundes para fazer a defesa de todos
os réus, inclusive a dos falecidos. O causídico tinha 39 anos de idade e 13 de
profissão quando de sua nomeação.
Em 20
dias o defensor dativo havia feito as alegações finais, extrapolando os cinco
dias que lhe foram concedidos. Alegou que o grande número de réus (29, ao todo)
não lhe permitia cumprir taxativamente o prazo legal, pois tinha que discorrer
sobre cada um deles, individualmente, os quais estavam sendo acusados pelos crimes
prescritos no Livro V, Título VI, parágrafos 5º e 6º das Ordenações.
Eis
alguns dos argumentos/pedidos apontados pelo advogado:
Quanto ao
réu Cláudio Manuel da Costa (falecido): pediu que lhe fosse relaxada a ordem de
sequestro sobre seus bens. No tocante a Tomás Antônio Gonzaga, alegou que o
mesmo não teve participação no caso, segundo estaria demonstrado nos autos, e
pediu sua total absolvição. Quanto a José de Alvarenga Peixoto, alegou que “nem
por carta nem por conversa e persuasão” o mesmo praticou o ato.
Os autos
foram conclusos ao julgador e, na madrugada de 17 de abril do ano seguinte
(1792) os réus foram acordados em seus confinamentos, de onde partiram para a
cadeia pública, para enfim tomarem conhecimento da sentença.
Os
desembargadores levaram 18 horas para redigir a sentença, tendo-a terminado às
duas horas da manhã do dia 19.
De
acordo com a legislação vigente, nenhum condenado à morte poderia ouvir a
sentença sem a assistência de um religioso, que tinha a missão precípua de
convencer os réus a se arrependerem de seus pecados, bem como encomendar a alma
dos mesmos aos céus – além do conforme espiritual naquele momento moribundo.
Foram chamados às pressas 11 religiosos do Convento de Santo Antônio.
Um a
um, os condenados foram conduzidos à sala do oratório da cadeia. Quase não se
reconheceram: barbados, magros, desfigurados e deslumbrados pela luz. Ouvia-se
o tinir das pesadas correntes que traziam nos pés e mãos (e alguns no pescoço,
como era o caso de Tiradentes).
O
barulho que se fazia em decorrência dos cumprimentos e de algumas lamúrias foi
abruptamente interrompido com a entrada do desembargador Luís Alves da Rocha,
do oficial de justiça e dos 11 religiosos. Num canto de parede, Tiradentes
parecia o mais triste.
Inicia-se
a leitura da sentença (que durou duas horas) e, um a um, os réus ficaram
sabendo as exatas acusações que lhes pesavam. O magistrado começou afirmando
que o crime cometido por eles se tratava dos mais horrendos. Vamos a um trecho
da sentença em relação a Tiradentes:
“Condenam
ao réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha Tiradentes (...) a que, com
baraço e pregação, seja conduzido pelas vias públicas ao lugar da forca e que
nela morra morte natural para sempre, e que depois de morto lhe seja cortada a
cabeça e levada a Vila Rica, aonde, em o lugar mais público dela será pregado
em poste alto, até que o tempo a consuma, e o seu corpo será dividido em quatro
quartos e pregados em partes, pelo caminho de Minas, no Sítio de Varginha e das
Cebolas, aonde o réu teve as suas infames práticas e os mais nos sítios de
maiores povoações até que o tempo os consuma; declaram o réu infame e os seus
filhos e netos, tendo-os, e os seus bens aplicam para o Fisco e Câmara Real e a
casa em que vivia em Vila Rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no
chão se edifique, e, não sendo própria, será avaliada e paga ao seu dono pelos
bens confiscados e no mesmo chão se levantará um padrão, pelo qual se conserve
em memória a infâmia desse abominável réu”.
Neste
exato momento da leitura Tiradentes parecia alheio. Concluída a leitura, os
religiosos se aproximaram dos condenados e ouviram lamúrias e queixas.
Logo em
seguida, José de Oliveira Fagundes, advogado dos réus, pediu vista dos autos.
Concederam-lhe o curto prazo de 24 horas para eventual recurso, cumprido
diligentemente pelo causídico.
Os
autos voltaram para o relator. Enquanto isso, foi determinado aos serventuários
que preparassem o ambiente para as execuções da pena.
No dia
20 de abril, veio a decisão: recurso totalmente improvido. Mantinha-se a
sentença na íntegra, e determinou seu cumprimento, mas um trecho chamaria a
atenção: que, “a seu tempo, deferirá a declaração dos réus a respeito dos quais
se há de suspender a execução”.
Imediatamente
o advogado entrou com novo recurso. Desta vez, o incansável José de Oliveira
Fagundes apelou para a Bíblia. Assentiu que Deus, ao castigar Caim, não lhe
quis tirar a vida pelo crime contra a vida de seu irmão Abel, tendo optado por
não matar a Caim, mas por fazê-lo perecer de outra forma. O advogado retirava
do fundo do poço uma tentativa de comover os magistrados, consignando que os
réus “se acham penetrados de dor que os não permitirá respirar por muito tempo,
por verem a Soberana ofendida e em termos de purgarem em um sanguinolento e
fúnebre patíbulo, as suas maledicências”.
Novamente
o recurso não foi provido, mas a Alçada se mostrou confusa ante os fortes
argumentos da defesa.
Restando
meia hora para a execução, nova apelação: desta feita para a Rainha:
“Dizem
José Joaquim da Silva Xavier e outros RR., presos e condenados à pena última
que, vindos com Embargos à mesma condenação que lhes foram desprezados, e
porque querem por via de restituição de presos e miseráveis, deduzirem segundos
Embargos, concedendo-se-lhes para esse fim vistas. Pede a Vossa Majestade seja
servida conceder aos suplicantes a graça que imploram”.
O
despacho judicial foi o seguinte: “Dê-se-lhe com meia hora. Rio, 20 de abril de
1792.”.
Na meia
hora que lhe foi concedida, o advogado de defesa escreveu três laudas. Vejamos
parte deste recurso:
“Provará
não havendo ainda de todo fechado aos RR, a porta desse Augusto Tribunal, onde
preside com a Justiça e a Piedade, a consideração dos delinquentes, tomam os
RR, prostrados com o peso dos erros que os oprimem, rompendo os soluços com que
os sufoca o temor da morte a clamar pela piedade de sua Augusta Soberana (...).
Provará que nestes termos e nos de direito, os presentes Embargos se hão de
receber e julgar provados para comutar-se a pena imposta aos RR., em degredo
perpétuo, onde justifiquem a sua emenda, que protestam neste tribunal,
recebendo-se para esse fim e julgando-se provados os presentes Embargos...”.
Já não
havia tempo para uma defesa técnica, restando ao advogado tão somente apelar
para o emocional.
Ao
meio-dia de 20 de abril o escrivão entrou na cadeia para ler a decisão do
recurso: novamente rejeitado em sua íntegra.
Neste
momento, os presos se achavam ao pé das paredes, ora gemendo, ora se
confessando com os religiosos. O barulho se confundia com o tinir das
correntes.
Quando
tudo parecia perdido, um desembargador se dirige pessoalmente ao presídio e
afirma que havia novo acórdão: somente Tiradentes seria executado à pena de
morte, enquanto os demais seriam condenados ao degredo perpétuo. E todos
gritavam: “Viva a Rainha!”. Todos menos um: Tiradentes, que se achava em
silêncio num canto de parede, até que encontrou forças para cumprimentar um a
um.
Depois,
Tiradentes se virou para o padre e disse: “Dez vidas daria se as tivesse, para
salvar as deles. Eu sou a causa da perdição desses homens, mas, felizmente, não
levarei nenhum comigo”. Antes da leitura da sentença, já teria dito: “Se Deus
me ouvira, eu só morreria e não eles”.
Agendou-se o dia seguinte para a execução: 21
de abril, exatamente um ano após a última execução. Não sendo isto, teria sido
no dia 20 de abril.
Nenhum
serventuário da Justiça quis preparar Joaquim José da Silva Xavier para a
execução. A solução encontrada foi chamar um célebre criminoso da época, que
também se achava preso. Tratava-se do presidiário Capitania.
Acompanhado
de dois meirinhos, trazia nos braços uma corda enorme e uma camisola branca,
conhecida como “alva dos condenados”. Consta que, por um instante, hesitou.
Percebendo a tristeza no gesto de seu algoz, Tiradentes proferiu as seguintes
palavras: “Ó meu amigo, deixe-me beijar-lhe as mãos e os pés”.
Assim
procedeu, vestindo em seguida a alva. Em seguida, exclamou aos presentes: “Meu
salvador morreu assim, nu, por meus pecados”.
Teria sido, em sua última hora, uma confissão pessoal a Cristo como
Senhor e Salvador de sua vida, como assinala a Bíblia?
Eram
oito para as nove horas da manhã quando o condenado alcançou a rua. O povo
rezava e citava alguns salmos. No meio das vozes, um meirinho lia, em bom som
(cumprindo a sentença), “o horroroso crime de rebelião e alta traição”.
Havia
três anos que Tiradentes não andava, o que comprometeu sobremaneira seu
percurso, o que o fez parar por duas vezes, em cuja oportunidade aproveitou
para olhar para o céu e beijar a imagem de Cristo. Era seguidamente confortado
pelo frei Penaforte.
Chegado
ao local da execução, ordenou-se que fosse rezado um credo. Ouvia-se
nitidamente a voz do alferes orando. Em seguida, três vivas à Rainha. Após, a consumação.
Quatro
dias depois da execução, o mesmo advogado fez nova vista dos autos, no prazo de
24 horas, para tratar finalmente dos condenados ao degredo.
Exatamente no dia 21 de
abril do ano seguinte (1793), o advogado José de Oliveira Fagundes receberia,
do Estado, a importância de 200$000 réis pela defesa dos inconfidentes.
.