sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

OS BASTIDORES DA DISSOLUÇÃO DA CONSTITUINTE DE 1823. O BRASILEIRO RESOLUTO. SESSÕES DURANTE A MADRUGADA. FAMOSO ESCRITOR BRASILEIRO DEFENDEU O ABSOLUTISMO IMPERIAL

 
 
Imagem da internet
 
        Nossa primeira Constituição já nasceu com a marca do absolutismo: foi outorgada pelo chefe do Executivo em 25.03.1824, depois de dissolver a Constituinte de 1823.
         De acordo com Paulo Bonavides, “o pensamento constituinte deu o primeiro passo no sentido de sua concretização com a deputação de São Paulo representando ao Príncipe Regente D. Pedro” a necessidade de convocação de uma Assembleia Constituinte, a fim de se formular a primeira Constituição brasileira, cujo ato convocatório se deu em 12 de junho de 1822 – portanto ainda antes da proclamação da independência.
         No dia 3 de maio de 1823, instalou-se a Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Brasil, que tinha dupla finalidade: elaborar a nossa primeira Constituição e legislar concomitantemente. Ou seja, enquanto votava a Carta Magna, votava também as leis ordinárias, competência parlamentar atípica em nossa história constitucional.
         De acordo com os anais da história, D. Pedro I compareceu à referida sessão com 3 horas e 30 minutos de atraso (chegou às 12h30min), gerando ociosidade na Casa até aquele momento solene. Após as formalidades de praxe, fez um longo discurso, através do qual merecem destaques (dentre outros temas), os seguintes pontos: (i) afirmou ser vergonhoso para o Brasil o fato de ter passado mais de 300 anos sendo chamado de Colônia; (ii) declarou enfaticamente que amava a justiça e a liberdade; (iii) fez minucioso balanço de sua gestão, destacando que já havia feito muitas obras públicas – inclusive calçadas nas ruas do Rio de Janeiro –, que teria comprado muitos livros para o “engrandecimento da Biblioteca Pública”, bem como declarou que os “empregados civis e militares” estavam com o pagamento em dia; (iv) que iria fortalecer a defesa militar brasileira; (v) repetiu, algumas vezes, a necessidade do Brasil ter três Poderes harmônicos e independentes; (vi) não agradeceu a Deus, mas à “Providência” pela “Nação representada, e representada por tão dignos deputados”.
         Após a fala do “Defensor Perpétuo do Brasil”, o presidente da Constituinte, D. José Caetano da Silva Coutinho, usou da palavra e fez um discurso de alguns minutos, deliberadamente finalizado com um dos momentos mais empolgantes de toda a história constitucional do Brasil: “Viva o nosso imperador constitucional!” – e os presentes responderam de forma uníssona: “viva!”. Após, D. Pedro I bradou: “Viva a Assembleia Constituinte e Legislativa!” – E todos responderam: “viva!”. Já passavam das 14 horas.
O que parecia um mar de rosas, no entanto, acabou se tornando gradativamente um pesadelo: nas sessões seguintes, alguns deputados passaram a debater sobre um pequeno trecho da fala do imperador, o qual findou não sendo percebido por outros constituintes. Eis o trecho: “Espero que a Constituição que façais mereça a minha imperial aceitação”.
Alguns viram, neste trecho, a mão de ferro do imperador: ou a Assembleia faria uma Constituição digna de sua majestade ou ela não teria a “imperial aceitação”. Tratava-se, na verdade, da repetição do que ele próprio já afirmara em 1º de dezembro de 1822 (no ato de coroação): “Juro defender a Constituição que está para ser feita, se for digna do Brasil e de mim”.
Por outro lado, a fala do presidente da Constituinte (que veio logo em seguida à do imperador) também continha um pequeno trecho que, para os atenciosos, seria um recado direto ao chefe do Executivo: “A distinção dos Poderes políticos é a primeira base de todo o edifício constitucional”. Ou seja, o título de “Imperador Constitucional” somente seria digno se ele, o imperador, respeitasse a separação entre os três Poderes constituídos.
A primeira das leis promulgadas pela Assembleia determinou que os decretos da Constituinte não estariam sujeitos à sanção do imperador. Sua majestade imperial recebeu essa decisão como uma afronta aos seus direitos, mas, após muita relutância, acatou a decisão do Parlamento.
A sessão de 6 de novembro de 1823 marca o início do fim dos acontecimentos que terminaram na dissolução da Constituinte. Um dos deputados requereu fosse lida em Plenário a carta de um cidadão brasileiro chamado David Pamplona Corte Real, vítima de grave espancamento por dois militares portugueses que faziam parte do Governo brasileiro.
Pelo conteúdo da queixa, consta que Pamplona fora açoitado pelos dois militares por acharem que ele se tratava do “brasileiro resoluto”, nome fictício do autor de cartas anônimas, nas quais constavam duras críticas ao governo imperial.
Após a leitura da carta em Plenário, o recinto ferveu. Uns exigindo que o Legislativo tomasse duras medidas em favor daquele cidadão brasileiro. Outros, tentavam suavizar a situação. Decidiu-se pela emissão de um parecer da Comissão de Justiça sobre o caso, quando esta opinou fosse o caso levado aos “meios ordinários e prescritos em lei”, o que contribuiu ainda mais para avultar a agitação.
Antes mesmo de se dar uma resposta satisfatória ao caso “Brasileiro Resoluto”, na sessão do dia 10 de novembro (com muitos populares no recinto), o Legislativo se achou em novas querelas polêmicas. Tratava-se, desta vez, da votação de um projeto sobre a liberdade de imprensa, cuja matéria era de grande interesse do Executivo, “ao redor da qual girava também o incidente da agressão militar ao ‘brasileiro resoluto’”, no dizer de Paulo Bonavides. Nesta sessão, a Assembleia aprovou emenda ao parecer autorizando o Executivo a expulsar do território nacional os dois militares portugueses envolvidos no incidente acima mencionado.
Na sessão do dia seguinte (11.11.1823), novo dissabor: o primeiro orador da tribuna, Antônio Carlos Andrada Machado, apresentou proposta aos seus pares no sentido de que aquela Casa “se declare em sessão permanente”, bem como enviasse uma comissão de deputados à presença do imperador, a fim de que ele justificasse um novo incidente, desta vez ocorrido na noite do dia 10 para o dia 11: tropas oficiais teriam passado a noite em agitação pelas ruas do Rio de Janeiro, gerando inquietação aos cidadãos pacíficos. O pedido foi acatado.
À uma hora da manhã veio a bombástica resposta do Executivo, na qual acusou os periódicos Sentinela da Praia Grande e Tamoio, bem como os três irmãos Andradas pela “influência naquele e redação neste”, em cujos instrumentos havia, no dizer do imperador, disseminação de “doutrinas incendiárias”.
Insatisfeito com a resposta governamental, às quatro horas da manhã o Legislativo, por meio de uma Comissão Especial destinada para tal fim, deliberou que aquela Casa não acataria a proposta imperial, mas reconhecia o excesso dos periódicos e de alguns outros no tocante à liberdade de imprensa, razão por que a mesma Comissão propôs fossem suspensas as votações da Constituição até que fosse concluída a lei que trataria sobre a referida liberdade de imprensa.
O parecer não teve a recepção esperada. Depois de acirradas discussões, deliberou a Casa sobre a convocação do ministro do Império no sentido de que o mesmo comparecesse à Assembleia, às 10 horas do mesmo dia, e circunstanciasse a resposta governamental ofertada, na qual acusava os dois periódicos e os três irmãos Andradas.
Às 11 horas o ministro compareceu. Iniciou sua fala ainda sentado, mas foi advertido pelo presidente da Casa a falar em pé. Principiou seu discurso apontando os últimos acontecimentos em Portugal, afirmando que D. Miguel, irmão de D. Pedro, havia convocado as tropas militares com a finalidade de dissolver a Constituinte daquele país. O recado estava dado.
Prosseguiu o ministro explicitando o desejo do Executivo: que fosse coibida a liberdade de imprensa no Brasil e que os três irmãos Andradas fossem expulsos da Assembleia. Justificou o Governo que oficiais militares e a pessoa de D. Pedro estariam sendo duramente insultados nos dois periódicos, destacando que, no Tamoio (onde os Andradas eram acusados de redatores), chegou-se a ameaçar a vida física e política do imperador.
O ministro imperial finalizou o discurso relembrando que o Brasil se encontrava em situação parecida com a de Portugal, em cuja oportunidade pediu que a Assembleia refletisse sobre as propostas do Governo. Um aparte do deputado Montezuma requereu do ministro mais esclarecimentos sobre a comparação trazida por este, querendo saber nas entrelinhas se a Assembleia estaria correndo risco naquele momento. Eis a resposta:
Eu não sei adivinhar futuros. Vejo a Assembleia amotinada levantar extemporaneamente a sessão: os militares se queixaram a Sua Majestade; as tropas marcharam para São Cristóvão; e a Assembleia todo o dia e noite em sessão permanente; ora, cousas semelhantes a esta eu vi em Portugal; contudo, não posso afirmar qual será o final resultado.
          O presidente da Casa se deu por satisfeito. Do lado de fora se achava D. Pedro, cercando o prédio com todo o seu aparato militar. A dissolução era uma decisão irreversível: no mesmo dia (12.11.1823) o imperador baixou o decreto de dissolução da Constituinte, alegando que, “havendo esta Assembleia perjurado ao tão solene juramento que prestou à Nação de defender a Integridade do Império, sua Independência e a Minha Dinastia: Hei por bem, como Imperador e Defensor Perpétuo do Brasil, Dissolver a mesma Assembleia e convocar já uma outra...”.
         A convocação para uma nova Assembleia Constituinte não veio, e em 25 de março de 1824 o imperador empurrou, goela abaixo, sua Constituição.
         José de Alencar, mais afamado na literatura do que como parlamentar, fez veemente defesa do ato absolutista do imperador, chegando a afirmar que a Constituição outorgada era mais liberal do que o projeto de 1823 (inexequível, na sua visão), e que a dissolução foi, naquele momento histórico, algo bom para o país, vítima iminente de graves consequências, caso o imperador não tivesse dado o golpe ditatorial.
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terça-feira, 15 de julho de 2014

OS BASTIDORES DA PRISÃO E DA CONDENAÇÃO DOS INCONFIDENTES MINEIROS: A SAGA DE UM ADVOGADO PARA INOCENTAR SEUS CLIENTES

A Jornada dos Mártires, de Antônio Parreiras, retrata a passagem dos inconfidentes.
Imagens extraídas da wikipedia
O plano final dos inconfidentes mineiros eram a Proclamação da República e a Independência, mas foram traídos por Joaquim Silvério dos Reis.
O magistrado Alvarenga Peixoto, acostumado às negociatas graças ao cargo que ocupava, só não delatou o plano antes de Silvério (a quem devia um dinheiro emprestado) porque sua esposa, Bárbara Heliodora, intercedeu junto a ele com muitas súplicas. Após o desfecho da condenação dos inconfidentes, o magistrado imputou à sua esposa a desgraça por ter impedido a revelação.
Há quem afirme, também, que o próprio Tiradentes, em uma de suas bebedeiras, tenha feito alusão ao plano, esquecendo-se em seguida da confissão. Será que a senha “É tal dia o batizado” fora revelada ainda numa mesa de bar?
José Joaquim da Silva Xavier foi preso no dia 10 de maio de 1789. Logo depois, em 2 de julho do mesmo ano, seu amigo Cláudio Manoel Costa (em cuja casa se reuniam os inconfidentes, inclusive Alvarenga Peixoto) foi encontrado morto na cela. Causa oficial da morte: suicídio. Mais tarde, viria a verdade dos fatos: ele fora assassinado, conforme afirmou o médico que o examinou. De fato: o sargento-mor Parada e Sousa teria sido o autor do crime, e, um mês após a morte, foram realizadas, em louvor a sua alma, mais de 30 missas na Igreja Católica – que não realizava tal liturgia em caso de suicídio.
Tiradentes chegou a ser interrogado 11 vezes. Negou nas três primeiras vezes, mas foi levado a confessar sua culpa depois das degradantes técnicas inquisitoriais.
Após três anos na prisão, viria a condenação formal. No dia 31 de outubro de 1791 o Estado nomeou o advogado José de Oliveira Fagundes para fazer a defesa de todos os réus, inclusive a dos falecidos. O causídico tinha 39 anos de idade e 13 de profissão quando de sua nomeação.
Em 20 dias o defensor dativo havia feito as alegações finais, extrapolando os cinco dias que lhe foram concedidos. Alegou que o grande número de réus (29, ao todo) não lhe permitia cumprir taxativamente o prazo legal, pois tinha que discorrer sobre cada um deles, individualmente, os quais estavam sendo acusados pelos crimes prescritos no Livro V, Título VI, parágrafos 5º e 6º das Ordenações.
Eis alguns dos argumentos/pedidos apontados pelo advogado:
Quanto ao réu Cláudio Manuel da Costa (falecido): pediu que lhe fosse relaxada a ordem de sequestro sobre seus bens. No tocante a Tomás Antônio Gonzaga, alegou que o mesmo não teve participação no caso, segundo estaria demonstrado nos autos, e pediu sua total absolvição. Quanto a José de Alvarenga Peixoto, alegou que “nem por carta nem por conversa e persuasão” o mesmo praticou o ato.
Os autos foram conclusos ao julgador e, na madrugada de 17 de abril do ano seguinte (1792) os réus foram acordados em seus confinamentos, de onde partiram para a cadeia pública, para enfim tomarem conhecimento da sentença.
Os desembargadores levaram 18 horas para redigir a sentença, tendo-a terminado às duas horas da manhã do dia 19.
De acordo com a legislação vigente, nenhum condenado à morte poderia ouvir a sentença sem a assistência de um religioso, que tinha a missão precípua de convencer os réus a se arrependerem de seus pecados, bem como encomendar a alma dos mesmos aos céus – além do conforme espiritual naquele momento moribundo. Foram chamados às pressas 11 religiosos do Convento de Santo Antônio.
Um a um, os condenados foram conduzidos à sala do oratório da cadeia. Quase não se reconheceram: barbados, magros, desfigurados e deslumbrados pela luz. Ouvia-se o tinir das pesadas correntes que traziam nos pés e mãos (e alguns no pescoço, como era o caso de Tiradentes).
O barulho que se fazia em decorrência dos cumprimentos e de algumas lamúrias foi abruptamente interrompido com a entrada do desembargador Luís Alves da Rocha, do oficial de justiça e dos 11 religiosos. Num canto de parede, Tiradentes parecia o mais triste.
Inicia-se a leitura da sentença (que durou duas horas) e, um a um, os réus ficaram sabendo as exatas acusações que lhes pesavam. O magistrado começou afirmando que o crime cometido por eles se tratava dos mais horrendos. Vamos a um trecho da sentença em relação a Tiradentes:
“Condenam ao réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha Tiradentes (...) a que, com baraço e pregação, seja conduzido pelas vias públicas ao lugar da forca e que nela morra morte natural para sempre, e que depois de morto lhe seja cortada a cabeça e levada a Vila Rica, aonde, em o lugar mais público dela será pregado em poste alto, até que o tempo a consuma, e o seu corpo será dividido em quatro quartos e pregados em partes, pelo caminho de Minas, no Sítio de Varginha e das Cebolas, aonde o réu teve as suas infames práticas e os mais nos sítios de maiores povoações até que o tempo os consuma; declaram o réu infame e os seus filhos e netos, tendo-os, e os seus bens aplicam para o Fisco e Câmara Real e a casa em que vivia em Vila Rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique, e, não sendo própria, será avaliada e paga ao seu dono pelos bens confiscados e no mesmo chão se levantará um padrão, pelo qual se conserve em memória a infâmia desse abominável réu”.
Neste exato momento da leitura Tiradentes parecia alheio. Concluída a leitura, os religiosos se aproximaram dos condenados e ouviram lamúrias e queixas.
Logo em seguida, José de Oliveira Fagundes, advogado dos réus, pediu vista dos autos. Concederam-lhe o curto prazo de 24 horas para eventual recurso, cumprido diligentemente pelo causídico.
Os autos voltaram para o relator. Enquanto isso, foi determinado aos serventuários que preparassem o ambiente para as execuções da pena.
No dia 20 de abril, veio a decisão: recurso totalmente improvido. Mantinha-se a sentença na íntegra, e determinou seu cumprimento, mas um trecho chamaria a atenção: que, “a seu tempo, deferirá a declaração dos réus a respeito dos quais se há de suspender a execução”.
Imediatamente o advogado entrou com novo recurso. Desta vez, o incansável José de Oliveira Fagundes apelou para a Bíblia. Assentiu que Deus, ao castigar Caim, não lhe quis tirar a vida pelo crime contra a vida de seu irmão Abel, tendo optado por não matar a Caim, mas por fazê-lo perecer de outra forma. O advogado retirava do fundo do poço uma tentativa de comover os magistrados, consignando que os réus “se acham penetrados de dor que os não permitirá respirar por muito tempo, por verem a Soberana ofendida e em termos de purgarem em um sanguinolento e fúnebre patíbulo, as suas maledicências”.
Novamente o recurso não foi provido, mas a Alçada se mostrou confusa ante os fortes argumentos da defesa.
Restando meia hora para a execução, nova apelação: desta feita para a Rainha:
“Dizem José Joaquim da Silva Xavier e outros RR., presos e condenados à pena última que, vindos com Embargos à mesma condenação que lhes foram desprezados, e porque querem por via de restituição de presos e miseráveis, deduzirem segundos Embargos, concedendo-se-lhes para esse fim vistas. Pede a Vossa Majestade seja servida conceder aos suplicantes a graça que imploram”.
O despacho judicial foi o seguinte: “Dê-se-lhe com meia hora. Rio, 20 de abril de 1792.”.
Na meia hora que lhe foi concedida, o advogado de defesa escreveu três laudas. Vejamos parte deste recurso:
“Provará não havendo ainda de todo fechado aos RR, a porta desse Augusto Tribunal, onde preside com a Justiça e a Piedade, a consideração dos delinquentes, tomam os RR, prostrados com o peso dos erros que os oprimem, rompendo os soluços com que os sufoca o temor da morte a clamar pela piedade de sua Augusta Soberana (...). Provará que nestes termos e nos de direito, os presentes Embargos se hão de receber e julgar provados para comutar-se a pena imposta aos RR., em degredo perpétuo, onde justifiquem a sua emenda, que protestam neste tribunal, recebendo-se para esse fim e julgando-se provados os presentes Embargos...”.
Já não havia tempo para uma defesa técnica, restando ao advogado tão somente apelar para o emocional.
Ao meio-dia de 20 de abril o escrivão entrou na cadeia para ler a decisão do recurso: novamente rejeitado em sua íntegra.
Neste momento, os presos se achavam ao pé das paredes, ora gemendo, ora se confessando com os religiosos. O barulho se confundia com o tinir das correntes.
Quando tudo parecia perdido, um desembargador se dirige pessoalmente ao presídio e afirma que havia novo acórdão: somente Tiradentes seria executado à pena de morte, enquanto os demais seriam condenados ao degredo perpétuo. E todos gritavam: “Viva a Rainha!”. Todos menos um: Tiradentes, que se achava em silêncio num canto de parede, até que encontrou forças para cumprimentar um a um.
Depois, Tiradentes se virou para o padre e disse: “Dez vidas daria se as tivesse, para salvar as deles. Eu sou a causa da perdição desses homens, mas, felizmente, não levarei nenhum comigo”. Antes da leitura da sentença, já teria dito: “Se Deus me ouvira, eu só morreria e não eles”.
 Agendou-se o dia seguinte para a execução: 21 de abril, exatamente um ano após a última execução. Não sendo isto, teria sido no dia 20 de abril.
Nenhum serventuário da Justiça quis preparar Joaquim José da Silva Xavier para a execução. A solução encontrada foi chamar um célebre criminoso da época, que também se achava preso. Tratava-se do presidiário Capitania.
Acompanhado de dois meirinhos, trazia nos braços uma corda enorme e uma camisola branca, conhecida como “alva dos condenados”. Consta que, por um instante, hesitou. Percebendo a tristeza no gesto de seu algoz, Tiradentes proferiu as seguintes palavras: “Ó meu amigo, deixe-me beijar-lhe as mãos e os pés”.
Assim procedeu, vestindo em seguida a alva. Em seguida, exclamou aos presentes: “Meu salvador morreu assim, nu, por meus pecados”.  Teria sido, em sua última hora, uma confissão pessoal a Cristo como Senhor e Salvador de sua vida, como assinala a Bíblia?
Eram oito para as nove horas da manhã quando o condenado alcançou a rua. O povo rezava e citava alguns salmos. No meio das vozes, um meirinho lia, em bom som (cumprindo a sentença), “o horroroso crime de rebelião e alta traição”.
Havia três anos que Tiradentes não andava, o que comprometeu sobremaneira seu percurso, o que o fez parar por duas vezes, em cuja oportunidade aproveitou para olhar para o céu e beijar a imagem de Cristo. Era seguidamente confortado pelo frei Penaforte.
Chegado ao local da execução, ordenou-se que fosse rezado um credo. Ouvia-se nitidamente a voz do alferes orando. Em seguida, três vivas à Rainha. Após, a consumação.
Quatro dias depois da execução, o mesmo advogado fez nova vista dos autos, no prazo de 24 horas, para tratar finalmente dos condenados ao degredo.
Exatamente no dia 21 de abril do ano seguinte (1793), o advogado José de Oliveira Fagundes receberia, do Estado, a importância de 200$000 réis pela defesa dos inconfidentes.
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segunda-feira, 17 de junho de 2013

HISTÓRIA DA NORMA PADRÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA



No diálogo Fedro, Platão narra uma longa conversa entre o personagem que leva o título do livro e o famoso Sócrates. Minutos antes de Fedro iniciar o discurso de Lísias sobre o amor, ambos os personagens protagonistas da obra clássica de Platão discorrem ligeiramente sobre a relação entre erudição e regionalismo. Vamos ao diálogo:
FEDRO: – Tu, porém, ó homem excêntrico, és o homem mais extraordinário que já se viu. Com tuas palavras, dás a impressão de um ser estrangeiro que necessita de um guia, e não um cidadão da Capital. Pouco sais da cidade e parece que nunca vais para fora dos muros.
SÓCRATES: – Perdão, meu ótimo amigo! Eu desejo aprender. Regiões e árvores, entretanto, nada me podem ensinar; somente os homens da Capital me ensinam. Mas tu pareces ter encontrado o meio de me levar para fora. Assim como se conduz uma rês faminta mostrando-lhe um ramo ou fruto, também a mim, se me acenares com um discurso ou um manuscrito, poderás me levar por toda a Ática ou para qualquer lugar aonde me queiras arrastar (...). [Grifamos]
 
A conversa dos dois não deixa dúvida: Sócrates (que nos seus 70 anos de vida pouco saiu da Capital Atenas) estava convencido de que na zona rural e nas cidades menores não havia produção de conhecimento que lhe interessasse. Para ele, somente os homens da Capital são instruídos e representam a elite do saber. A filosofia e, portanto, a capacidade de produzir ideias racionais é uma marca da Capital e não do Interior. O próximo passo será mesclar esse elitismo intelectual com status social.
 
Durante mais de dois mil anos há intensa peleja no sentido de condicionar a linguagem à escrita. Esta, uma vez normatizada, exige daquela o dever de obediência: só devemos falar, do ponto de vista gramatical, aquilo que está assente na gramática normatizada.
 
Essa tradição também começou com os gregos, embora o marco inicial tenha sido Alexandria (século III a.C.). As primeiras gramáticas vieram de lá e terminaram por influenciar, mundo afora, tudo aquilo que serve de parâmetro para registrar a elite da escrita de um povo. As consequências foram irreversíveis, como demonstra a própria história.
 
Tudo teria sido iniciado na cidade que foi um grande centro de cultura grega: Alexandria, no Egito. De Homero ao terceiro século antes de Cristo a Grécia já havia constatado várias mudanças em sua própria língua, segundo alguns estudiosos daquela época. Partiu daí o desejo de normatizar a "pureza" da língua grega, antes que sua essência fosse "por água abaixo" através do processo de aculturação.
 
A tarefa seguinte foi catalogar os grandes clássicos gregos e extrair deles a linguagem "perfeita", que serviria de modelo para as gerações futuras, principalmente para quem pretendesse escrever obras literárias em grego. Era o início da supremacia da escrita em relação à linguagem, uma vez que os parâmetros foram catalogados a partir da escrita e não a partir do que realmente era manifestado por meio da língua falada na época em que houve a catalogação acima mencionada. Isso viria influenciar o mundo, inclusive a língua portuguesa, como veremos mais adiante.
 
O processo de aculturação entre gregos e romanos não se deu da noite para o dia, e certamente trouxe várias implicações culturais, principalmente para os romanos, que se convenceram do esplendor grego em matéria de arte (lembre-se de que "gramática" significa "a arte de escrever bem").
 
No século em que se deu o esfacelamento da República romana, este povo já havia absorvido a ideia de que a divisão de classes sociais passaria inevitavelmente pela observância de regras relacionadas com a linguagem (tanto escrita como falada). O próprio Senado romano difundiu a ideia de que aquela Casa se sentia privilegiada quando tinha entre seus representantes, senadores versados não só na arte grega como na arte de falar em público.
 
O mesmo Senado e o governo imperial passaram a nomear chefes de departamentos pessoas com habilidade reconhecida em matéria de cultura, "sob o pretexto de que saberiam escrever os papéis oficiais em bela prosa", conforme atestam os escritores Philippe Ariès e George Duby, no primeiro volume da História da vida privada.
 
A influência grega chegou a limites tão significativos, que nenhum romano poderia se dizer culto se não tivesse algum conhecimento sobre artes e sobre a história dos grandes escritores clássicos. Igualmente se cultivou a ideia de que o conhecimento das doutrinas filosóficas deveria fazer parte de toda retórica que tivesse a pretensão de entrar para o rol daquelas consagradas, o que levou os grandes centros de ensino a incentivar seus alunos à busca de obras clássicas, sem falar que gerou uma corrida às eloquentes conferências públicas, tudo como forma de adquirir conhecimento de história e de filosofia, agora essenciais na arte de convencer pela palavra e pela escrita.
 
Todo romano que se prezasse deveria ter em sua biblioteca clássicos da literatura grega e romana. Também era elegante expor em suas residências e nos locais de trabalhos bustos de famosos da literatura clássica, um inegável retrato da diferenciação social.
 
As classes superiores procuravam se diferenciar das inferiores por meio de um estilo de cultura e vida moral, cujos traços mais imponentes não poderiam ser alcançados pelos outros. É nesse desenrolar das ideias que entra a convicção de que todo homem culto teria que se apresentar publicamente observando também uma comunicação culta, gerando, consequentemente, a necessidade da observância das normas gramaticais. No dizer dos escritores antes mencionados:
(...) a forma correta dos intercâmbios verbais testemunha a capacidade das pessoas da classe superior de adotar a forma correta dos intercâmbios interpessoais com seus pares.

Mais adiante, expondo suas opiniões sobre o tema em questão, os mesmos autores sentenciam de forma bastante objetiva:
A pessoa harmoniosa, formada por uma longa educação e moldada pela pressão constante de seus pares, vive perigosamente, supõe-se. Está exposta à ameaça sempre presente de ‘contágio moral’ por emoções anormais e por atos tidos como inadequados a sua posição pública, mas bem aceitos como habituais na sociedade inculta de seus inferiores.

Não demorou e o antigo romano se convenceu de que a Administração Pública – que representava a excelência do status social (todo romano queria fazer parte dela) – deveria adotar o que havia de melhor em matéria de conhecimento. Surge aí a ideia de que o Serviço Público tem que selecionar o há de melhor; logo, somente as pessoas mais versadas devem ingressar no Setor Público.
 
O contexto histórico de então já não comportava espaço para especulações, senão a firme certeza de que o administrador público deveria ser um homem culto, pois a Administração Pública (leia-se o Estado) representava o que havia de mais culto em matéria de conhecimento e comunicação. Logo, o próprio Estado solidifica a ideia de que o falar e o escrever corretamente são marcas inconfundíveis do próprio Estado, o que fortalece sobremaneira a relação entre a erudição e a observância da gramática normativa, relação esta que ainda se mostra vívida nos dias atuais. 

A Igreja Católica, que foi a única instituição a se equiparar (e em algumas situações a se sobrepor) ao Estado medieval, deteve o ensino por muitos séculos na Europa, valendo-se desse privilégio para impor seu ponto de vista.

O renascimento urbano e o advento da universidade trouxeram nova mentalidade ao homem medievo. Embora a Igreja tenha imposto seu modo de crer também pelo ensino, é pertinente ressaltar que ela não viu somente na educação a forma do mesmo homem medievo contestar os dogmas católicos, mas enxergou nela (na educação) uma alternativa para o progresso individual do ser humano, incrivelmente ainda em plena Idade Média. A prova disto está em um texto extraído do Cânon 18 do terceiro Concílio de Latrão (1179) no campo educacional:
A igreja de Deus, como uma mãe piedosa, é obrigada a velar pela felicidade do corpo e da alma. Por esta razão, para evitar que os pobres cujos pais não podem contribuir para o seu sustento percam a oportunidade de estudar e de progredir, cada igreja catedral deverá estabelecer um benefício suficientemente largo para as necessidades de um mestre, o qual ensinará o clero da respectiva igreja e, sem pagamento, os escolares pobres, como convém. [Grifamos]

Parece estranho para muitos que a Igreja tenha declarado (como levado a efeito), ainda na Idade Média, medidas que relacionassem o estudo ao progresso pessoal. Em outras palavras, já no ano 1179 a Igreja concebia a ideia de que os estudos podem conduzir o ser humano a patamares mais elevados, ou seja, a um status social mais alto, o que é entendido (na época e ainda hoje) como um progresso a ser alcançado por todos os seres humanos. 

Esse status passou a ser objeto de desejo pelos estudantes universitários da Idade Média, os quais enxergaram na vida acadêmica outras razões plausíveis: tabelamento de preços locatários para estudantes universitários, isenção fiscal e militar (e em relação às custas judiciais), dentre outros privilégios. 

Houve uma corrida aos assentos universitários, tanto que entre 1200 e 1400 surgiram mais de 50 universidades na Europa. O Direito (e depois Medicina) logo passou a ser o curso mais concorrido e havia duas razões óbvias para essa escolha: grande possibilidade de ingressar no serviço público e o indiscutível estrelato social (com a respectiva elevação do status social).

Mais uma vez temos o registro histórico de que a Administração Pública é vista como um lugar de excelência, retratada como o viveiro de intelectuais, embora distante ainda do status atribuído por Kant séculos depois. 

Assim, o passar dos séculos não quebrou a antiga tradição que relacionava o saber humano com a ideia de grandeza e cultura social. Antes, só estimulou essa relação e inseriu no homem medieval a mentalidade que apontava para o fortalecimento dessa pirâmide social, formada a partir de estratos bem definidos, dando ares de grandeza aos estudantes de Direito, que passaram a integrar o topo dessa pirâmide social. 

A Idade Moderna, já invadida pelos temas renascentistas, trouxe outras novidades em matéria de gramática. Vale ressaltar, porém, que o Renascimento propagou de forma convicta o pensamento clássico, dando à literatura grega e à romana posição de destaque em relação ao que havia sido produzido na Idade Média. 

Foi também durante o início da Idade Moderna que temos na Europa o processo de colonização de vários países da África e da América, dentre os quais o Brasil. 

De acordo com a cronologia de que dispomos, as primeiras gramáticas de língua portuguesa foram produzidas logo após os grandes descobrimentos, dentre as quais a Gramática da linguagem portuguesa (1536, de Fernão de Oliveira) e a Gramática da língua portuguesa (1540, de João de Barros). 

De acordo com alguns pesquisadores, no dizer do professor Marcos Bagno, "O trabalho dos gramáticos renascentistas visava, portanto, criar um modelo de língua que servisse como mais um dos muitos instrumentos de dominação sobre as novas terras (e população) conquistadas". Esse pensamento é fortalecido quando Nebrija (um dos primeiros gramáticos espanhóis) defende a necessidade de ensinar a língua aos "bárbaros". Ou seja, não éramos povos considerados civilizados, uma vez que "civilizado" passava necessariamente por atender ao modelo europeu, impregnado pelas ideias mais preconceituosas possíveis. 

No Brasil, o que se viu nos séculos que se seguiram ao XVI foi uma miscigenação de linguagens, de modo que não tínhamos um linguajar normatizado, mesmo com todo o empenho de Portugal em fazer de nosso país uma pacata filial em matéria de língua falada. 

Padre Antônio Vieira (século XVII) escandalizou Lisboa ao falar um sotaque brasileiro e não português. Ele próprio fazia questão de ensinar aos estrangeiros que chegavam à Bahia a língua "brasílica" e, de acordo com Afrânio Coutinho, "no final de vida, em 1695, (...) reconhece Vieira a existência de uma realidade linguística brasileira". Ou seja, já no final do século XVII o Brasil possuía uma língua própria, divergente de Portugal e, portanto, não havia justificativa suficientemente forte para impor ao nosso país uma gramática normativa portuguesa, senão o caráter colonialista existente.
 
A realidade linguística de nosso país naquele tempo remoto incomodou Portugal, e a prova irrefutável dessa afirmação aponta para o ano 1759, quando Marquês de Pombal, após silenciar os jesuítas, obrigou o Brasil a adotar a gramática portuguesa.
 
Os professores régios que se deslocaram para cá vieram não somente com a missão de substituir os jesuítas e de impor a gramática normativa portuguesa, mas inserir em nossa mente a ideia de que nosso conteúdo programático deveria ser o mesmo adotado na Europa, razão por que ainda hoje a matemática é exigida até mesmo para selecionar estudantes nas áreas das ciências humanas, indiscutivelmente uma herança renascentista, que buscou nos Gregos (diga-se, nas ideias de Platão, que por sua vez as colheu de Pitágoras) a premissa de que todo saber humano passa necessariamente pelo conhecimento de matemática.
 
Com o processo de independência do Brasil, a partir de 1822, os brasileiros que estudavam em Portugal passaram a ser alvo de diversas críticas e perseguições de estudantes (e até de professores) portugueses. Essa condição forçou o governo brasileiro a criar faculdades no país, daí o surgimento de dois cursos de Direito em 1827, um em São Paulo e outro em Olinda.
 
Na referida época, os brasileiros que retornaram das universidades europeias trouxeram em suas mochilas os ideais libertários protagonizados pela Revolução Francesa e pela Independência dos Estados Unidos, sem falar que estavam totalmente inclinados à crença de que a Europa representava verdadeiramente a raça humana no quesito "civilização".
 
Assim, era sinônimo de elegância e status social não só se vestir como os europeus, mas também usar a linguagem gramaticalmente correta. Esse ponto de vista, no entanto, teve seus momentos de contestação, protagonizado no século XIX pelos cearenses José de Alencar e Capistrano de Abreu.
 
O rompimento de D. Pedro I com seu país natal não atingiu o emprego da gramática, a mesma usada em Portugal, e juntamente com ela a crença de que todo brasileiro culto tinha a obrigação de conhecer a língua portuguesa, o que fez perpetuar a tradicional relação entre o uso da gramática normativa e a posição social.
 
Da mesma forma como aconteceu na época do Concílio de Latrão, o estudante de Direito no Brasil do século XIX, ao ingressar na faculdade, tinha em mente o Setor Público, certeza de prestígio social e de um bom dinheiro mensal.
 
Além dos motivos acima mencionados, outro contribuiu sobremaneira para perpetuar o emprego no Brasil da gramática normativa portuguesa: o aspecto cívico-moral. Vejamos o que diz o professor Marcos Bagno:
Não é por acaso que, ao longo do tempo, foi se criando a ideia de que ‘saber gramática’ era um ‘valor moral’ ou ‘dever cívico’ e que a pessoa que sabia ‘se expressar bem’ era, quase automaticamente, uma pessoa boa, idônea, de caráter limpo, amante de seu país, cumpridora de seus deveres, respeitosa das instituições etc. Essa associação moralista entre ‘a Língua’ e valores cívicos se encontra, por exemplo, nesta passagem de Rui Barbosa (1849-1923): ‘Uma raça cujo espírito não defende o seu solo e o seu idioma entrega a alma ao estrangeiro, antes de ser por ele absorvida’. 

E por falar em Rui Barbosa, alguns estudiosos entendem que ele e seu renomado professor de língua portuguesa, Carneiro Ribeiro, (curiosamente um graduado em Direito e o outro em Medicina) protagonizaram o golpe final em toda pretensão de se criar uma gramática normativa brasileira. Ambos escreveram, durante vários anos, milhares de páginas acerca das formas gramaticalmente corretas segundo a norma padrão da língua portuguesa, resultado de um longo debate travado em torno dos textos apresentados por Clóvis Beviláqua na minuta do primeiro Código Civil brasileiro, o que fortaleceu a premissa de que o homem versado na língua portuguesa está mais apto a interpretar as próprias leis de seu país.
 
Desta forma, embora o século XX tenha levantado vários brasileiros (como Herbert Parentes Fortes) em prol de uma gramática normativa do Brasil, o que prevaleceu foi a antiga tradição, embora o pensamento contrário se mostre racional, sinteticamente reduzido na frase de Said Ali "Os nossos gramáticos depois de assentarem que registram fatos criam regras inflexíveis" e na frase de Marco Bagno: "Querer cobrar hoje em dia, a observância dos mesmos padrões linguísticos do passado é querer preservar, ao mesmo tempo, ideias, mentalidades e estruturas sociais do passado".
 
Não obstante a pressão racionalista dos opositores da gramática tradicional, o que prevalece oficialmente no Brasil é a obrigatoriedade da Administração Pública de observar à risca todas as regras dessa mesma gramática, o que faz com que os servidores do Setor Público continuem atentando para o que ainda hoje é retratado como língua culta – nomenclatura equivocada, diga-se oportunamente, pois "culto" e "cultura" são indissociáveis; logo, dizer que fulano não fala uma língua culta é dizer que a língua falada por fulano é desprovida de cultura, o que é um gravíssimo erro do ponto de vista antropológico, daí a tendência para se chamar norma padrão e não norma culta.
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domingo, 16 de dezembro de 2012

PAPAI NOEL: SUA ORIGEM E SUAS CONTROVÉRSIAS

  
Nessa matéria você lerá, dentre outras curiosidades, sobre: (1) de onde vem a brincadeira de amigo oculto; (2) a origem do Papai Noel depois de Nicolau; (3) a primeira vez que o cinema retratou esse personagem; (4) como o protestantismo conviveu com o Natal e com o Papai Noel durante a Reforma, durante o século XIX e a partir do início do século XX; (5) como a Igreja Católica estimulou a morte do Papai Noel; (6) os primeiros estudos acadêmicos sobre a necessidade ou não de se manter a ficção do Papai Noel; (7) como a OMS cuidou do caso na década de 1950; (8) a origem da relação entre a Coca-Cola e o Papai Noel.

 
Já vimos noutras matérias que Jesus nasceu “antes de Cristo”; que o Natal foi oficializado no século IV, com o aparente objetivo de sufocar a festa pagã chamada Sol Invictus, comemorada no dia 25 de dezembro; agora, vamos contar os bastidores do surgimento e ascensão de Papai Noel.
 
Inicialmente vale ressaltar que, nos primeiros séculos, várias comunidades cristãs não eram favoráveis à comemoração do Natal, tanto que Orígenes, no século III, posicionou-se abertamente contra as festas comemorativas do aniversário de Jesus, assentindo que tal procedimento faria de Cristo um tipo de faraó, ou seja, uma divindade humana. Outros, no entanto, defendiam que, se o “mundo” via razões de sobra para honrar seu imperador, muitos mais motivos tinha a comunidade cristã para comemorar o nascimento daquele que seria o salvador da humanidade.
 
O mundo romano, por sua vez, enxertado em seu paganismo histórico, valorizava sobremaneira as festas de finais de ano, notadamente a Saturnália, cujo início se dava em 17 de dezembro. Na ocasião, as casas eram cuidadosamente enfeitadas, havia brincadeiras, troca de presentes, jogos, tréguas de brigas, banquetes, homens se vestindo de mulher, etc.
 
A troca de presentes no Natal, ainda apreciada nos dias de hoje (veja, por exemplo, as brincadeiras de amigo secreto), fora veementemente combatida por um bispo católico no início do ano 400. O bispo dizia, por exemplo, que a “festa ensina até mesmo as crianças bem pequenas, ingênuas e simples, a serem gananciosas, e acostuma-as a irem de casa em casa e a oferecerem novos presentes...”.
 
Por mais que várias autoridades da Igreja tenham tentado acabar com as festas de fim de ano, a tradição persistiu na Idade Média e chegou aos dias de hoje com bastante força, como já assinalamos acima. De nada valeu um édito londrino do século XV, através do qual se proibiu pedir presentes de Natal em Londres.
 
Mas o Papai Noel, quando e como entra nesta história? Para começar, o bom velhinho (trajado de Nicolau) só passa a se relacionar com o Natal em torno de mil anos depois do início da referida festa. Os primeiros registros mostrando um presenteador mágico na época do Natal apontam para o século XII. Nicolau (santo católico), falecido supostamente em 6 de dezembro de 343, vivia, no século 12, sob a fama de ser um santo milagreiro.
 
Nicolau, sabendo que um pai se achava impossibilitado de prover o dote de suas três filhas, decide entregá-las à prostituição e à escravidão. O santo consegue, em três noites consecutivas, atirar sacos de ouro na casa das três filhas, livrando-as, assim, do infortúnio que se avizinhava. O pai, descobrindo a atitude de Nicolau, espalha sua bondade, embora tivesse sido advertido para não divulgar o milagroso feito.
 
Curiosamente, é também no século XII que se propaga a forma de presentar como o concebemos hoje, quando freiras francesas, tentando homenagear o santo protetor das criancinhas, deixa secretamente presentes nas casas das crianças pobres na véspera do dia de São Nicolau.
 
Gradativamente, o santo é incorporado no psicológico social cristão, e passa a ser visto como o presenteador infalível nas noites de Natal (ainda não recebia o nome de Papai Noel). Só havia uma única condição para não ser presenteado na madrugada natalina: a desobediência aos pais durante o ano inteiro. Com isto, os pais tinham em suas mãos um forte motivo para invocar a obediência por parte de seus filhos. Estes, por sua vez, comumente dirigiam ao santo as mais variadas petições: “São Nicolau, protetor das crianças boas, eu me ajoelho para que o senhor interceda. Ouça a minha voz através das nuvens e esta noite me dê alguns brinquedos. O que mais quero é uma casa de bonecas com flores e pássaros, uma montanha, uma campina e carneirinhos bebendo água do regato”, dizia uma delas.
 
O Natal era, então, aguardado ansiosamente pelas criancinhas, que tinham o hábito de colocar sapatos ou meias embaixo da cama, a fim de que os presentes fossem colocados dentro dos mesmos. Comumente havia casos em que crianças não eram presenteadas na noite de Natal. Em vez de um presente, uma vara era colocada dentro do sapato, significando que o presenteador Nicolau estava triste com a referida criança. A vara, no caso, era sinal de disciplina. Logo, o santo era visto sob o dualismo benevolência x disciplina. Nicolau tinha tanto de misericordioso quanto de punitivo, e tal fama durou muito séculos, inclusive na Idade Moderna.
 
Já no final da Idade Média houve, por parte de membros da Igreja, quem enxergasse a necessidade de substituir o bom Nicolau pelo Menino Jesus. A fama, então, deveria ser transferida para o “filho de Deus”, a quem cabia, por mérito, a boa fama. Por razoável tempo coexistiram os dois presenteadores natalinos em questão. O reformador Martinho Lutero, por exemplo, chegou a declarar em 1532: “É isso o que fazemos quando ensinamos nossas crianças a jejuar e rezar, e a pendurar suas meias para que o Menino Jesus e São Nicolau possam lhes trazer presentes. Mas, se não rezam, elas não ganham nada, ou então ganham apenas uma vara e maçãs de cavalo [cocô]”.
 
No entanto, o advento do protestantismo trouxe sérias acusações contra as tradições de então, notadamente a de comemorar o Natal e a de acolher seu respectivo presenteador natalino. Nos países onde a fé calvinista teve maior destaque, não somente o santo como o próprio Natal foi banido. Na Escócia e na Inglaterra puritana, por exemplo, foram promulgadas leis que proibiram incondicionalmente o Natal e o ato de se presentear na referida data, pelo menos de 1645 a 1660. No mesmo período, deixar de trabalhar e ficar em casa no dia 25 de dezembro, ir à igreja para cantar músicas natalinas ou mesmo se reunir com a família em momento festivo poderia resultar em multa ou mesmo em prisão. Havia forte fiscalização no sentido de proibir em definitivo qualquer comemoração que relembrasse o Natal.
 
Houve casos em que foram registradas inclusive atitudes extremistas: mulheres condenadas e presas por dançarem na noite de Natal; padeiros que fizeram o pão natalino foram arrastados aos tribunais e julgados; aplicação de multas por suspeitas de comemoração; excomunhão para os relutantes. Um ministro calvinista chegou a dizer que comemorar o Natal é a mesma coisa que fornicar. O período natalino nos países protestantes (principalmente calvinista) do final do século XVII se tornou reconhecidamente propício a uma série de punições, muitas das quais manifestamente extremistas.
 
O período que vai da Renascença à Revolução Industrial só fez ampliar o número de presenteadores natalinos. Nicolau e o Menino Jesus haviam perdido tal monopólio. Desta vez outros elementos sobrenaturais passaram a cumprir a mesma função: fadas, espantalhos, feiticeiras, figuras fantasmagóricas vestidas de branco, anjos (até demônios com correntes). Mas nenhum conseguiu ocupar a proeminência de Nicolau.
 
No início do século XIX (por volta de 1809), São Nicolau dá indícios de que irá perder, de vez, o posto para outro velhinho: o Papai Noel. A razão encontrada parecia óbvia: Nicolau era caridoso, mas também punitivo. Costumeiramente castigava as criancinhas por suas travessuras. Estava na hora de se aposentar. Entra em cena o bom velhinho que conhecemos hoje. Papai Noel é retratado sobrevoando uma cidade num carroção (depois se converte num trenó) na noite natalina, depois descendo pelas chaminés. Esta invenção vem dos Estados Unidos e só aos poucos é que a Europa aceita a substituição proposta pelos americanos.
 
Os passos seguintes vieram com a imaginação de poetas e cartunistas. Em 1810 aparece a primeira menção impressa do vocábulo Papai Noel, escrito num poema de 15 de dezembro do mesmo ano. Os anos e as décadas seguintes deslancharam o velhinho presenteador, dando-lhe um rosto, um corpo, um comportamento peculiar, uma longa barba. Um poema de 1844 dizia que ele tinha um metro e meio de altura e sua morada era numa árvore (esta, a árvore natalina como conhecemos hoje, tem origem por volta de 1184).
 
Num poema de 26 de dezembro de 1857, pela primeira se tem maior nitidez de suas vestimentas: Papai Noel é descrito como um homem gordo, vestido de vermelho e ornamentado de branco e com longas botas pretas. Sua residência é descrita num castelo polar, com uma inscrição na entrada que dizia: “Aqui não entra ninguém que fica na cama até tarde”. No mesmo poema o autor dizia: “Todos os que esperam uma meia cheia de presentes não devem perder muito tempo brincando; tenham sempre em mente os livros e o trabalho e levantem-se ao raiar do dia”. Estava aqui, a velha tática de controlar aqueles que pretendiam receber presentes na noite de Natal.
 
Em 1869 novos poemas trazem algumas inovações sobre Papai Noel. Sua morada é reafirmada como sendo no Polo Norte. Ele é dono de uma luneta, capaz de vigiar todas as crianças do mundo; possui um livro para registrar todos os pedidos que lhe são dirigidos e ainda é mostrado cingido por um cinto largo, o mesmo usado nos dias de hoje.
 
Nas três últimas décadas do século XIX os Estados Unidos sentiram de perto o alto prestígio do Papai Noel e das festas natalinas. A chaminé, porta de entrada do bom velhinho, passou a ser alvo inevitável de visitas das crianças na noite de Natal. Durante todo o dia 24 de dezembro e principalmente antes de dormir, elas se aproximavam da chaminé, ora gritando, expondo seus pedidos, ora fazendo suas petições em silêncio, como se o Papai Noel fosse um ser onipresente e onisciente, capaz de, num só instante, estar em todos os lugares ao mesmo tempo e capaz de anotar um a um e de uma só vez todos os pedidos que lhe eram dirigidos.
 
No início da década de 1850 surgem os primeiros cartões de Natal impressos. Poucos anos após a criação do cinema, o personagem fictício já havia conquistado as telas em preto e branco: um filme chamado Santa Claus, de 1899, trazia em seu catálogo a seguinte descrição: “Nesse filme vocês verão o Papai Noel entrar na sala pela lareira e em seguida arrumar a árvore. Então ele enche as meias que as crianças penduraram previamente no console da lareira. Depois de caminhar para trás e conferir tudo o que fez, ele subitamente se arremessa para a lareira e desaparece subindo pela chaminé. Esse filme surpreende a todos e deixa as pessoas imaginando como o velhinho desaparece”.
 
A fama era tanta que muitas igrejas protestantes, historicamente hostis ao Papai Noel e às comemorações natalinas, voltaram não só a celebrar o Natal como também a convocar o bom velhinho a estar presente em vários momentos festivos das igrejas. A partir de 1850, essas mesmas igrejas passaram a usar o lendário Papai Noel nas escolas dominicais, assim como toda a indumentária natalina (árvore e presentes). Três décadas depois, essas igrejas já pareciam aceitar numa boa a presença do bom velhinho em algumas de suas liturgias, notadamente nas escolas dominicais. Tudo tinha uma explicação lógica: todo esse espetáculo proporcionou um grande aumento na frequência daqueles que visitavam principalmente as ditas escolas dominicais, bastante em voga na segunda metade do citado século, uma vez que elas (as igrejas) enxergaram no novo método (escola dominical) uma forma eficiente de levar o conhecimento bíblico a todos os visitantes.
 
É de se estranhar, talvez, essa mudança de visão das igrejas protestantes em poucas décadas. Meio século antes, líderes evangélicos chegaram a declarar: “A palhaçada que nessa ocasião acontece em algumas das igrejas, sob o ministério de um tipo de professores mercenários, e as ideias pueris e superficiais propagadas por via desse meio corrupto e interesseiro, referentes à natureza e ao modo da redenção cristã, são maravilhosamente calculadas para ampliar a esfera da estupidez e para aumentar as sombras da escuridão moral sobre a mente da humanidade”.
 
Mas, segundo alguns especialistas que estudaram o protestantismo americano do século XIX, vários líderes religiosos passaram a valorizar a conversão pessoal em Deus e não necessariamente a forma estereotipada de como se processava essa conversão. Daí justificarem que as festas natalinas eram apenas um chamariz, uma forma de seduzir aqueles que outrora se achavam hostis à própria religião.
 
Coincidentemente, o desenvolvimento econômico e social dos Estados Unidos no final do século XIX e início do século XX parece ter mexido com a cabeça das crianças. Em 1897, um periódico comparou dois pedidos feitos ao Papai Noel, um chamado de “antiquado” e o outro de “moderno”. O primeiro, escrito sob a luz de um lampião de querosene, diz: “Papai Noel, por favor, me traz um trenó novo e uma faca e um saquinho de doces, pois eu estou tentando ser um bom menino”. O segundo, escrito à luz elétrica, diz: “Querido Papai Noel, quero uma bicicleta e uma carruagem com cavalos, um iate e é bom você me trazer outro revólver porque o meu é muito pequeno”.
 
Na década de 20, quando a Coca-Cola sofria pesadas críticas feitas pela União Cristã Feminina da Temperança, pelo Governo Federal e por outros críticos por causa da fórmula de seu refrigerante (um senador chegou a declarar que coca-cola causava esterilidade nas mulheres, sem contar que era capaz de dissolver “as capacidades mental e digestiva e tecido moral”), ela decidiu investir pesado invocando o Papai Noel na pretensão de ser vista com outros olhos pela comunidade americana. Surgiu, aí, a tradição que dura ainda nos dias hoje: a íntima relação entre a Coca-Cola, o Natal e o Papai Noel.
 
Mas nem tudo são flores. Embora sempre criticado em toda a sua existência, as primeiras críticas acadêmicas surgiram por volta de 1896. Uma universidade americana fez estudos e concluiu que não parecia bom manter essa mentira junto às criancinhas. Dois anos antes, um inglês refletiu sobre a importância de manter ou não essa tradição em seu país, e concluiu, levando em conta as recentes mudanças sociais da Inglaterra que já havia chegado a hora de acabar com a tradição de manter vivo o Papai Noel. Ele declarou:
 
“Acredito que haja algum benefício no uso de todas essas tradições enquanto elas vivem e, se assim for, devemos mantê-las vivas; mas em sua maioria elas são por natureza perecíveis. Morrem porque já fizeram tudo o que estavam destinadas a fazer, e também para deixar espaço para formas novas e melhores da velha vida. Precisamos enterrar o que está morto, e não fazer de conta que essas coisas ainda estão vivas e galvanizá-las num falso aspecto de vida. Fazemos muitas asneiras, isso é inegável; permitimos que morram – ou até nós mesmos destruímos – muitas coisas que ainda continham vida, e continuamos tentando manter vivas muitas coisas que já morreram há muito tempo e aborrecem a todos, inclusive a nós mesmos".
 
Pouco depois, a Rússia comunista empreende os mais consistentes esforços no sentido de banir em definitivo tudo o que estivesse associado à religião, inclusive o Natal e o velho Papai Noel. Vendedores de árvores de Natal eram presos; igrejas foram fechadas; ícones religiosos quebrados; profissionais que participavam de festas natalinas eram expulsos de seus sindicatos. No dia 25 de dezembro, o golpe de misericórdia: as crianças eram obrigadas a assistir a filmes e concertos antirreligiosos. A festa de Natal havia sido transferida para 31 de dezembro, com uma nova roupagem, inclinada exclusivamente para tudo que fosse contrário à religião.
 
A ofensiva não vinha, no entanto, somente de países ateus, como a Rússia. A própria Igreja Católica, em 1951, protagoniza algo que até então parecia improvável: um de seus templos franceses promoveu, em dezembro do mesmo ano, a queima pública de Papai Noel. O ato chamou a atenção do mundo, mas a explicação parecia óbvia: o velho bonzinho havia chegado longe demais: seu notório prestígio junto às famílias havia deixado de lado outros símbolos considerados pela Igreja como mais importantes, dentre os quais o presépio e o Menino Jesus. Tal ressentimento se justificava pelo fato de que, segundo a explicação local, o Papai Noel americano representava, na interpretação do estudioso Gerry Bowler, “a paganização de uma importante festa cristã e era mito destituído do valor religioso; e era um herege e um usurpador”.
 
Assim, o Papai Noel foi queimado ao vivo, na presença de 250 crianças. A Associação Cristã dos Moços (ligada à igreja local) emitiu uma nota que dizia: “Desejosos de combater as mentiras e as histórias falsas, queimamos esse Papai Noel. A intenção não foi fazer uma demonstração esportiva ou comercial, mas sim proclamar alto e bom som que as mentiras não podem despertar o sentimento religioso de uma criança e absolutamente não são um método de educação para a vida”.
 
Daí em diante, muitas igrejas protestantes passaram a fazer uma nova reflexão sobre a necessidade ou não de preservar essa tradição. Em 1975, uma igreja da Flórida promoveu um linchamento de duas imagens de Papai Noel. Cinco anos depois, outra igreja simbolizou o julgamento do velhinho, acusado de fraude e perjúrio, tendo o réu sido condenado e em seguida enforcado.
 
Um folheto na Carolina do Norte (não sabemos seu autor) chegou ao extremo e apresentou Papai Noel como sendo o próprio Diabo e acabou incluindo um poema chamado “Ho! Ho! Ho!”, que dizia: “O Diabo tem um demônio, o nome dele é Papai Noel. Ele é um demônio velho e sujo (...) Um dia eles vão se apresentar diante de Deus, sem o seu saco de bugigangas (...) condenados para o Inferno eterno, onde não haverá Ho! Ho! Ho!”.
 
As pesadas críticas se fizeram acompanhadas não somente de membros ligados à religião. O primeiro diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS) chegou a declarar no início da década de 1950 que iria levar o caso do Papai Noel para as Nações Unidas, com o fim de privar as crianças de todo tipo de ficção capaz de incutir em suas mentes ideias completamente distanciadas da realidade. Em décadas posteriores, houve casos em que os professores chegaram a proibir que seus alunos fossem cumprimentados com a frase “Feliz Natal”. Não vingou, e a tradição persistiu.
 
Finalizamos esta matéria com uma frase dita por um pai ficcional, publicada em 1856, quando ele chega para sua esposa e diz: “A partir de agora o Natal deve ser uma instituição em nossa família! (...) Sou um homem melhor por causa do que fiz na noite passada e da diversão inocente de hoje. Sinto-me vinte anos mais jovem e cinquenta pontos mais feliz. Compensa, minha querida, compensa!”.
 
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Resumidamente, temos: (1) as brincadeiras de amigo oculto no final de ano tiveram origem no paganismo romano; (2) as comemorações do Natal são antigas e coexistiram no tempo com as festas pagãs com significados parecidos; (3) as origens de um presenteador natalino remontam ao começo do século XII, e estão diretamente associadas a São Nicolau; (4) a origem do Papai Noel como o concebemos hoje remonta às primeiras décadas do século 19, nos Estados Unidos; (5) as igrejas protestantes ora repudiaram o Papai Noel e as festas natalinas, ora os receberam de braços abertos de acordo com as conveniências teológicas e pedagógicas.
 
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